Esse patriotismo datado dos brasileiros
14 de junho de 2006 - Jose Rocha

Desde a Copa do Mundo de 2002 que eu não via tanta bandeira do Brasil hasteada em todos os lugares possíveis. É uma verdadeira onde de patriotismo como pouco se vê no Brasil, esse país tão sofrido (um berço das desigualdades sociais) e tão judiado (temos o pior Congresso desde a criação da República, já se disse).

Mas esse patriotismo de quatro em quatro anos me incomoda um pouco, embora eu goste (e muito) de futebol e tenha até escrito (e publicado) um livro a respeito. Ontem mesmo, antes do primeiro jogo da Seleção Brasileira na Copa da Alemanha, comentei com um amigo (Raimundo Carvalho) sobre essa situação.

De quatro em quatro anos, os brasileiros se vestem de verde e amarelo, se enfeitam, permitem que os corações batam em alarde e se afirmam “brasileiros”. É uma declaração de amor que lembra o patriotismo dos argentinos, irlandeses, chilenos, alemães, cubanos (e norte-americanos, que têm no dia 4 de julho uma data pra lá de festiva e fundamental).

Acontece que a diferença entre nós, os argentinos, irlandeses, chilenos, alemães, cubanos e norte-americanos (leia-se nascidos nos Estados Unidos) está em que os brasileiros parecem se lembrar de que são brasileiros apenas quando temos uma Copa do Mundo. Aí somos os melhores do mundo, amamos nosso país, temos sotaque nacional unificado e gritamos nosso amor a plenos pulmões.

Acho uma pena que a coisa seja assim. E por que? Porque durante todos os outros meses, durante todos os outros anos em que não se tem uma Copa do Mundo, a absoluta maioria dos tupiniquins nem se lembra de que estamos no Brasil, de que vivemos no Brasil, de que somos, sim, senhores, de que somos brasileiros, com S (para citar meu amigo Maurício Kubrusly nos bons tempos da Rádio Excelsior de São Paulo).

Alguns (ou muitos) que lerem este texto poderão me dizer que há muito exagero em meu pensamento, que as coisas não são bem assim e que quero demais – ou: “Deixa o povo ser feliz, José Rocha”. É... Posições absolutamente contrárias a minha não vão faltar, mas tenho meus argumentos – e não abro mão de nenhum deles.

Estou cansado de tanto ouvir os quase jargões “esse país é assim mesmo”, “esse país não presta”, “nesse país só dá ladrão”, “se fosse em outro país...”. Frases com esse teor pipocam em botequins, grandes salões, na alta sociedade (o “high society” tão bem cantado por Elis Regina) e mesmo nas camadas mais pobres. Todos repetem esse mantra desiludido quando não estamos numa Copa do Mundo.

É mesmo uma pena que o brasileiro, um dos povos mais lindos da história do mundo, tenha essa imperativa ausência de amor próprio, de consciência do que é ser brasileiro. Enquanto isso, como nos “áureos” tempos da ditadura militar (vejam o filme “Pra Frente, Brasil!, pelo amor de Deus), o futebol nos dopa (esse ópio) – e a corrupção segue indomada, deputados e senadores ganham milhões e fazem pouco (ou quase nada de útil), os velhos “coronéis” da política nacional bancam os Mandrakes de cada dia.

É um povo manso o brasileiro, extremamente manso – recentemente, foi às ruas na campanha pelas eleições diretas para presidente (que bom!) e quando caçaram Fernando Collor (com as bênçãos da Rede Globo). É tão pouco para um país de milhões de apaixonados pelo futebol. É tão pouco que me entristece e sou obrigado a admitir que invejo argentinos, irlandeses, chilenos, alemães, cubanos e norte-americanos. E me resta outra saída?

José Rocha, escritor cearense, é autor dos livros "Espelho quebrado", "Batatas fritas ao sol", "O verbo por quem sofre de verborragia", "Coração de Leão" e "Vazantes" (Editora Pontes, 2006, no prelo).


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