As meninas de Fortaleza
21 de fevereiro de 2005 - Jose Rocha

Fortaleza possui, hoje, um dado alarmante, absurdo e vergonhoso, que precisa ser combatido com a mesma proporção que nos espanta e causa revolta: virou uma triste referência para o turismo sexual – crianças e adolescentes, que vivem na miséria, criminosamente excluídos, ignorados pelo Estado, que deveria lhes dar proteção e amparo, se prostituem em troca dos dólares e euros de turistas inescrupulosos.

Meninas de até 8 anos, como registra o Cedeca – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente -, perdem a infância – e o futuro - em nossas praias, sob a vista grossa (e hipócrita) das autoridades e até dos pais. A indústria do turismo, que rende milhões, faz do Brasil um porto sujo no mundo, onde a impunidade corre solta, na mesma velocidade do dinheiro fácil.

Um programa com uma dessas meninas, na região da praia de Iracema, por exemplo, chega a custar, para os turistas italianos, alemães, espanhóis, holandeses, enfim, “gringos” de todos os cantos do planeta, o equivalente a um maço de cigarros em seus países de origem. É “o bom e o barato”, eles sabem, rodeados pelas garotas bonitas e pobres daa capital, e protegidos por uma legislação medíocre e fácil de ser burlada.

Estima-se que de 20% a 30% dos estrangeiros que procuram a orla marítima do Nordeste estejam atrás do turismo sexual. Outros números mostram que mais de 70% dessas meninas são negras ou pardas, quase 80% entraram na prostituição antes dos 16 anos e 51% delas já sofreram abusos sexuais em casa.

Claro que o problema não se limita apenas a Fortaleza. De acordo com um levantamento divulgado pela Secretaria de Direitos Humanos, já são 937 cidades onde a prostituição de menores foi detectada. Para o Cedeca, no entanto, esse número é muito maior. A entidade avalia que o problema se disseminou de tal forma que está em todo o Brasil, sem que os municípios desenvolvam políticas voltadas para o assunto.

No final de 2004, três italianos e uma brasileira, donos de uma agência que vendia pacotes que incluíam programas com garotas brasileiras foram presos na Itália, em uma ação conjunta das polícias federais daqui e de lá. Em outra situação, foi cancelada a licença para um vöo fretado que trazia turistas italianos. São informações positivas, mas casos isolados, que não acabam com o problema.

No paradoxo da ausência absoluta de punição, um fato aconteceu há poucos dias, na Praia do Futuro, e mostrou que há pesos e medidas diferentes na questão da moralidade. A Polícia Militar de Fortaleza foi chamada para impedir que uma turista estrangeira tomasse sol com os seios à mostra. Ela teve que colocar a parte de cima do biquíni ou seria presa por atentado ao pudor.

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Exploração Sexual Infanto-Juvenil apresentou propostas para a mudança da legislação ainda no primeiro semestre deste ano. A relatora da CPMI, deputada Maria do Rosário (PT-RS), afirmou que as propostas visam tirar as brechas da lei, que não pune os clientes e toda a teia (imunda) que os abastece.

A raiz do problema, entretanto, permanece sem o menor sinal de combate. A maioria das meninas que sai de casa para se prostituir o faz por falta de estrutura familiar e de renda. Elas apanham, sofrem abusos e não têm acesso a bens materiais. Vivem na miséria, e a miséria, associada à ausência de qualquer estrutura familiar, é o embrião (perigoso) que leva às ruas e ao comércio do corpo.

É preciso que o Estado mostre a sua cara. É preciso que os discursos sejam transformados em ações efetivas de combate a esse crime brutal. O Brasil, que vive um novo tempo de participação da sociedade organizada, não pode mais abrigar a estupidez, a falta de caráter e a crueldade tanto dos turistas quanto do poder público.

O turismo sexual tem que acabar. É um fato. Não há meio-termo, nem pode haver. Quem o sustenta, tem que ser punido. Quem o pratica, tem que ser punido. E quem pode punir tem que enfrentar esse mal com a seriedade e a urgência que ele requer. Turismo é bom, dá dinheiro e traz renda para o País. Mas nossas crianças não podem mais continuar sendo vítimas, perdendo a infância e a adolescência – a pureza! É imperativo que se puna – severamente - os canalhas, que se confundem com aqueles que vêm conhecer nossa cultura e a beleza natural de nossa terra.

José Rocha, 44, é autor dos livros "Espelho quebrado", "Batatas fritas ao sol", "O verbo por quem sofre de verborragia", "Coração de Leão" e "A lua do meio-dia" (no prelo).


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