Uma garrafa de rum
18 de janeiro de 2005 - Jose Rocha

Ninguém sabe ao certo onde o rum nasceu, mas é público que sempre foi associado aos piratas, é público que foi a bebida favorita dos grandes navegadores, de Colombo a Cabral, passando por todas as lendas que os mares (verdes mares) já criaram – com aqueles piratas barbudos, usando um tapa-olho – adotado às mancheias nas novelas mexicanas. Hollywood – não a TV mexicana - produziu muito filme bom, movido a piratas e muito rum – eu escrevi muito rum, por favor, e não muito ruim.

Consumido no mundo inteiro, o rum é um caribenho autêntico. Cuba, Jamaica, Bahamas, Barbados, Porto Rico e Martinica estão entre os maiores produtores do planeta. Na ilha do comandante Fidel, há uma marca estatal que é um dos símbolos da revolução que mitificou Che Guevara, mas, antes de Fidel, já havia muita garrafa de rum em Cuba. Foi o espanhol Don Facundo Bacardi que, em 1862, fundou a primeira destilaria, em Santiago de Cuba.

Os cubanos ainda fazem o melhor rum do planeta, que já foi até argumento fortíssimo na discussão ideológica entre Cuba e os Estados Unidos. No Brasil, o rum está por aí, sem dever nada a ninguém. Não é tão paparicado quanto a caipirinha, que virou mania de turista, faz tempo, mas, nem por isso deixa de ser popular. Pode estar, por exemplo, na arquibancada de um quase inocente jogo de futebol. Sua garrafa, vazia, pode cair no campo, principalmente ali perto do goleiro.

Pois não foi o que aconteceu na goleada do Uniclinic sobre o Ceará, no último domingo, no estádio Presidente Vargas? Uma garrafa de rum, no meio daqueles 4 a 0 históricos, tanto quanto o rum, quase estragou a partida, que torcedores do pequeno Uniclinic comemoraram de mãos dadas com torcedores do Ferroviário, do Fortaleza – será que com um bom rum? Não duvido, já que era domingo e domingo de praia, que sobra em minha capital – o rum e a praia andam quase sempre juntos, como torcedores que não gostam do Ceará Sporting Club.

Um sujeito que não sei quem foi, torcedor do Ceará, revoltado com a goleada que o time de Marcelo Vilar aplicava no alvinegro de Porangabuçu, mandou uma garrafa (vazia, que ele não é besta) na direção do goleiro Régis, do Uniclinic, já nos “finalmentes” do jogo. Feitos semelhantes já resultaram em punições severas a muitos clubes de futebol do Brasil. O goleiro Régis, que não bebe, ainda mais em serviço, pegou a garrafa e disparou na direção do juiz do jogo, que tem um nome espetacular: Wladyerisson Oliveira – eu adoro esses nomes, mas pronunciá-los sob o efeito de um rum não deve ser fácil, não.

Régis foi lá reclamar, mas o Seu Juiz, numa cena que, para mim, paga o ingresso do jogo, sacou foi um cartão amarelo do bolso e puniu o arqueiro do Uniclinic. Foi a primeira vez que vi o acusador ser punido, e à queima-roupa, no talo, sem discussão ou direito de resposta. O pobre do Régis, que não deixou passar nada, fechou o gol, mas foi punido. Depois o Seu Wladyerisson reclama quando dizem que ele é parcial, e suspeita-se de sua simpatia pelo time alvinegro.

Não se sabe, claro, se foi por revolta que Wladyerisson deu o cartão para Régis. Não se pode afirmar. É suspeita das torcidas do Ferroviário e do Fortaleza, que naquele momento, dividiam um empate – sem rum ou garrafa de rum – no Castelão. Mas que foi esquisita a atitude do homem do apito, foi. A não ser que o Régis tenha dito alguma coisa grave a ele, que não tenha sido a garrafa de rum, para que aquele cartão? Dacildo Mourão, ex-árbitro, até brincou no “Debate Bola”, dos meus amigos Paulo César Norões e Edmilson Maciel:
- Olha aí o goleiro chamando o juiz pra “tomar uma”.

Como diria a saudosa atriz Miriam Pires numa telenovela da Rede Globo, a história desse cartão é um “mistério”. Pelo jeito, vai continuar sendo, porque Wladyerisson vai dizer uma coisa, Régis vai dizer outra e não sei se o assunto chegou a ir para a súmula do jogo. Isso me lembra que eu nunca tinha visto o Ceará começar um campeonato de forma tão fraquinha, apanhando de Deus e o mundo. Em três partidas, teve a proeza de perder três. Foi além: marcou um solitário e triste gol e tomou 10, que é a nota que merece o Régis, bom sujeito, que entrou nessa história por conta de uma inusitada garrafa de rum.

José Rocha, 44, é autor dos livros “Espelho quebrado”, “Batatas fritas ao sol”, “O verbo por quem sofre de verborragia”, “Coração de Leão” e “A lua do meio-dia” (no prelo).

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