Sem Lucélia, sem meus pais, em Dia de Reis
06 de janeiro de 2005 - Jose Rocha

Eu nunca deveria ter deixado Lucélia. Mas o destino, esse negócio que nem sempre desce goela abaixo, me fez deixar Lucélia. Desde que deixei Fortaleza, onde nasci, há mais de quarenta anos (o tempo não pára mesmo, Cazuza), não tinha gostado de nenhuma cidade, de absolutamente nenhuma, até Lucélia entrar na minha vida.

Mudei-me com esposa, filhos, genro e neto para Lucélia, porque a família de minha esposa mora inteirinha lá – desde 1949, quando o avô de Sílvia, minha esposa, João Francisco Lemos, chegou ali. Morar em Lucélia foi amor à primeira vista. Morar em Lucélia foi lindo. Mas foi igual ao sonho que tive esta noite com meus pais: acabou.

Fiz muitos amigos em Lucélia. Fiz dezenas de amigos. E com uma rapidez que ainda me espanta. O povo de Lucélia, que chamam de “Capital da Amizade”, gosta de fazer amigos, como eu gosto. E bate uma saudade! Daqui de Brotas, no centro do Estado, onde as pessoas são fechadas e quase não lhe desejam “bom dia”, penso todos os dias em Lucélia.

Minha mãe, Letícia, partiu da minha vida (e me levou a vida) no dia 14 de outubro do ano passado. Meu pai, Manoel, partiu em 2003. Ficamos eu, Ana Cristina e Ângela – elas moram em Barueri, na Grande São Paulo. E eu, aos quase 45 anos, esta noite sonhei que estava com meus pais, que estava com eles, feliz “demais da conta”, como dizia uma namorada mineira que tive.

Quando acordei (e fui comprar o pão, o jornal), vi que tinha sido só um sonho. Fiquei no meu canto, vendo os passarinhos que alimento sob a amoreira, e tive raiva de mim. Quase tive pena, para dizer a verdade, mas fui salvo por meu neto, Igor, que completou dois anos agorinha, em dezembro, dois dias antes do meu Natal mais triste, mais doloroso.

Sei que não verei meus pais outra vez. Esse não ver mais, equivalente a nunca, é uma ferida que dói lá dentro. E aqui, em Brotas, onde o povo ainda tem medo de comunista, sou um velho de vermelho, sozinho no jardim, observando os passarinhos que alimento sob a amoreira. E hoje é Dia de Reis. E os cantadores vão visitar a casa da tia Ana Rita, em Lucélia. É... O destino é esquisito. Perdi minha cidade, perdi meus pais... Ainda bem que tenho meu neto, que me faz sorrir.

José Rocha, 44, é autor dos livros "Espelho quebrado", "Batatas fritas ao sol", "O verbo por quem sofre de verborragia", "Coração de Leão" e "A lua do meio-dia" (no prelo).

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