Os melhores do ano
26 de dezembro de 2004 - Jose Rocha

É sempre a mesma coisa. Todos os anos, a mídia "elege" os seus "melhores do ano", quase sempre uma mesmice de dar gosto - ou enjôo, nojo, sei lá. Hoje mesmo, dois dias depois do Natal, abro o caderno de TV do jornal "O Estado de São Paulo" e dou de cara com "os melhores" que os internautas elegeram. Leio que o "Pânico na TV" (sempre acho que escrevi "Penico na TV", porque as letras estão muito perto umas das outras) foi eleito o Melhor Programa de 2004. Ganhou, falando mal do estilista Clodovil e enchendo o saco de Deus e o mundo, de lavada. É o gosto (democrático) dos internautas, eles, que, de certa forma, representam "a voz do povo", embora eu discorde taxativamente desse velho clichê.

Como se não bastasse ter sido eleito o melhor programa de TV do ano, o "Pânico" ainda bancou o Rubens Barrichello e ficou com o segundo lugar na categoria Programas de Humor, perdendo para "A grande família", que, embora seja uma releitura do clássico de Vianinha, é muito bem feito e tem um elenco com nomes impagáveis, como o primo de Fernando Henrique Cardoso, o ótimo Pedro Cardoso. Cabe pensar: e esse tal de "Pânico" é um programa de humor? Mas eu não consigo rir um segundo com esse negócio, decano da rádio Jovem Pan. Pelo contrário, o "Pânico" me irrita profundamente - só o fato desse "humorístico" estar no ar me incomoda, me dá nos nervos. Penso: é a prova de que a vida inteligente não tem espaço na televisão, ou, pelo menos, não agrada aos "gênios", freqüentadores do portal do "Estadão", que o acham o máximo. É a democracia, fazer o que?

Mas, esquecendo esse tal de "Pânico", e prometendo nunca mais tocar no assunto, porque, para mim, essa briguinha televisiva, que custa dinheiro, entre os rapazes do programa (incluindo a moça de Penápolis, Sabrina Sato, nascida no insuportável "Big Brother Brasil" - George Orwell, meu amigo, o que você foi fazer?), quero dizer, e digo, que gosto da Elis Regina. E por que é que eu escrevo isso no finalzinho de 2004? Ah!, cara-pálidas, porque Maria Rita é dose para leão (sempre prefiro o original, e Maria Rita, paparicada pela mídia, não passa de um sub-produto de Elis Regina). Não compro um CD dessa moça, nem que ela abocanhe o Grammy. Nunca vi alguém repetir tão perfeitamente os gestos, a postura e afins de outra pessoa. Maria Rita consegue isso, e nesse quesito, se tivesse que votar nela, votaria como o grande clone dos últimos tempos (mas, como clone, dona Maria Rita tem os defeitos que a original, Elis Regina, não tinha). Mas a mídia adora clones, ainda mais desse porte.

Em 2004, os sertanejos, tipo Leonardo, Daniel, Zezé Di Camargo e Cia., se mantiveram mais do que vivos. Não vou comentar mais nada sobre eles. Deleto (para usar uma palavra moderna) esses moços (e seus parentes, todos "cantores" ou "cantoras", com aspas, claro) da minha vida. Foi por isso mesmo que passei a noite de Natal ouvindo as violas de Almir Sater e Helena Meireles. Claro que ainda estou esperando o disco "Santa Música", jóia finíssima de Erasmo Carlos, que minha esposa me prometeu de presente, a meu pedido. Meu Papai Noel, neste final de ano, vai me trazer Erasmo Carlos. É melhor, porque Roberto Carlos eu não agüento mais, mas esse Roberto Carlos esquisito, choroso, de luto. O outro Roberto Carlos, que cantava as curvas da estrada de Santos e os caracóis dos cabelos do Caetano Veloso, entre outras preciosidades, esse eu respeito, e muito (ele não precisava era ter contado que música "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos" foi feita para Caetano).

É isso. Todo fim de ano é a mesma coisa. Mentirinhas para cá, mentirinhas para lá, e a pizza só cresce, cada vez mais sem tempero. Mas existe o prêmio da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), que é um prêmio sério - nesse, nada de "Pânico". E, para dizer a verdade, mesmo com todas as minhas queixas sobre as barbaridades dos "melhores", o que acho bom mesmo, e, para mim, é o que de melhor pode haver, é a existência do controle remoto. O sujeito que inventou esse aparelhinho merecia o prêmio, porque, na mídia, o controle remoto tem um papel importantíssimo. Eu posso mudar de canal. Eu posso desligar a TV, o rádio,.e talvez possa mais - talvez possa acreditar que, do jornal à TV e à Internet, dias melhores virão. Eu tenho fé.

José Rocha, 44, é autor dos livros "Espelho quebrado", "Batatas fritas ao sol", "O verbo por quem sofre de verborragia", "Coração de Leão" e "A lua do meio-dia" (no prelo).

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