A CIDADE DA BOA TERRA NO INTERIOR DO BRASIL

O artigo abaixo é da escritora Margarida Kungli, publicado em 1.939 em um jornal da cidade de Berna, na Suiça

Uma cidade do Estado de Berna (Capital da Suíça) escreve para nós.

Numa noite de total escuridão, havia horas que estávamos sentados num monstro barulhento que se denomina "jardineira", fazendo conexão entre uma estação ferroviária e um lugarejo numa floresta. Lindíssimo estava o céu noturno onde se distinguiam a sombra das palmeiras e de gigantescos pinheiros. À nossa frente a imensidão do céu com milhares de estrelas brilhantes. Os poucos viajantes estão sentados calados no seu banco. A maioria quase dormindo já esgotados da longa viagem. Já não é mais o aperto barulhento da lotação de japoneses e pretos desta tarde. São poucos os que ainda não chegaram ao abrigo das suas precárias moradias. A chuva de ontem deixou o leito da estrada totalmente amolecido e com grandes buracos. Uma vez é o lado direito outra vez o lado esquerdo da jardineira que afunda no barro da estrada. Às vezes, passamos por longas poças e a água aos lados da condução parecem como ondas de uma embarcação a vapor cruzando um canal. Numa curva as luzes do veículo iluminam um jegue que está pastando à beira da estrada. De que mal trato este jegue deve-se ter refugiado na solidão da floresta?

Na nossa frente estamos vendo fogueiras dos dois lados da estrada. Uma aldeia? A jardineira pára. Nós estamos num acampamento. Provavelmente de um grupo de medição topográfica. Estamos vendo o fogo das gigantescas toras e ao redor estão sentados homens barbudos de aparência selvagem. Alguns levantam para inspecionar os passageiros. De bom gosto oferecem ao motorista um cafezinho. Esse homem representa, para eles, provavelmente durante semanas, talvez até meses, a única ligação com a civilização.

Nós continuamos quilômetro após quilômetro sempre dentro da selva. No fim chegamos num pequeno agrupamento de casas, provavelmente um último posto avançado da civilização. Daqui ao Rio Paraná reina selva ainda não desbravada. Com meu marido, seus três ajudantes e eu como únicos passageiros da jardineira, continuamos por mais dois quilômetros, e numa curva repentina contornado um pasto com buracos, a jardineira pára em frente a uma placa: "LUCÉLIA: A CIDADE DA TERRA BOA", o nosso destino. Um homem aparece com uma lamparina de petróleo e nos mostra o caminho para uma casa de madeira. A jardineira volta.

Entre as aberturas das telhas de madeira o sol pinta de dourado as paredes da casa. Eu levanto e abro as venezianas. Na minha frente está Lucélia. Eu conhecia o mapa da cidade, com estação, com uma igreja, escola, hospital e até mesmo um campo de aviação. E agora estamos no meio da floresta. Na nossa frente uma pequena barraca de madeira e uns cem quilômetros adiante, um segundo barraco. Numa área de um quilômetro a mata está derrubada, só que entre as toras derrubadas o capim e os arbustos já estão crescendo.

Eu faço uma caminhada de inspeção. Já existem três avenidas livres de toras e pragas. Só que o solo mais se parece com um campo recém tombado. Nunca passou nenhum veículo por essas avenidas, profundos buracos comprovam os passos dificultosos de alguns cavalos ou jegues. Do alto de uma colina o olhar se perde até o horizonte, mata até onde a vista alcança; uma colina após a outra. Qual será daqui a alguns anos? A civilização está chegando com incrível rapidez. Onde há dez anos existia a floresta hoje já existem cidades de dez a trinta mil habitantes. Aqui estamos morando numa solitária casa de madeira, onde temos que buscar a água, o leite e o pão a dois quilômetros de distância. Os únicos alimentos são arroz, feijão e jabá. A chuva e o vento têm livre acesso pelos buracos do telhado e das paredes de madeira. As baratas moram nas frestas, os grilos cantam em coro a noite toda e estão devorando as nossas roupas, e os ratos fazem a festa nas vigas do telhado. A casa é construída sobre pilares como os armazéns do Estado de Wallis na Suíça. Na frente da entrada vários tocos de diversas alturas constituem a escada. Uma vida primitiva, de algumas pessoas em um território destinado a ser uma cidade.

Ao deixar a floresta depois de três semanas, o terreno está cheio de tocos indicando com nomes as direções de futuras ruas, que fazem imaginar o lugar da ferrovia, da estação e do campo de aviação. No morro onde futuramente se erguerá a igreja, em poucos dias foi montada uma capela de madeira e um padre veio de muito longe para abençoar a futura cidade.

Lucélia, grande preocupação e grande esperança de poucos, será que concretizarás as espectativas a ti atribuídas? Temos toda razão de acreditar que sim. O que vi era uma cidade na idade recém nascida, que crescerá e, em poucos anos, casas, ruas, estabelecimentos de todo tipo serão testemunhas do árduo trabalho de seus moradores. Lucélia até já. (Colaboração de: Ivanilda Angelina Mazzer e Ordália Campos)


 


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