Aldeia Karamázov
Colaboração de MARCOS VAZNIAC



É do conhecimento de todos que nas proximidades do atual córrego Baliza, existia uma colônia de eslavos (russos, búlgaros e ucranianos) que pretendiam na época fundar uma cidade, que acabou não dando certo. Caso esta colônia vingasse, a cidade de Lucélia poderia ser nas proximidades do córrego Baliza.

Durante anos, venho conversando com descendentes de russos cujos antepassados moravam na colônia Baliza, e para surpresa, descobri que todos vieram da mesma região, a antiga Bessarábia, um enclave do tamanho do estado do Sergipe, que fica entre a Romênia e a Ucrânia. Eles vieram para o Brazil, na mesma época, década de 20, em navios que zarparam de portos como Hamburgo, Marselha e Odessa, rumo ao “El Dorado da América”.

Pois bem, em tal colônia russa, pouco se falava em português, os velhos costumes da Rússia Tzarista ainda prevaleciam em Lucélia. A família era patriarcal, onde o chefe supremo da família dava ordens e o trabalho na lavoura era exaustivo. Também, as bebedeiras e palavrões eram constantes. Ameaças, discórdia, isolamento e insultos eram rotina nesta sociedade patriarcal onde o analfabetismo reinava absoluto. Certo dia alguém me contou que a mulher era tratada como objeto e os filhos meros números para trabalhar na lavoura.

Para sabermos mais sobre os costumes morais existentes na época, devemos estudar a história da Rússia, antes da Revolução de 1917, que derrubou o Czar Alexandre II destituindo a dinastia dos Romanov.

A Rússia como todos os demais países da Europa Oriental, era atrasada em relação aos países da Europa Ocidental e os EUA. Enquanto países como a França e a Inglaterra, aboliram a escravidão e o sistema medieval virou página do passado, na Rússia, ainda a sociedade vivia como se estivessem na Idade Média. Em 1905, em pleno fervor revolucionário que existia em Petrogrado e Odessam cerca de 80% da população russa vivia na zona rural, onde o trabalho era de sol a sol, no velho sistema feudal e a produção muitas vezes comercializada com mercadores da cidade grande a preço de banana. Os muchiks viviam somente para o trabalho, não tendo visão do mundo existente além de sua propriedade e aldeia.

Com o advento da Revolução Comunista em 1917, e a vitória dos Bolcheviques na Guerra Civil, que culminou com a criação em 1922 da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os soviéticos descobriram que dentro do maior país em termos de território no mundo, havia em pleno século XX, uma classe camponesa que ainda estava na “Idade Média” com a diferença de não haver castelos e muralhas que protegiam os reis.

Estes camponeses que viviam em estado de solidão e pobreza da Bessarrábia, imigraram para o Brasil, vindo parar em terras onde hoje é o município de Lucélia. Portanto, a aldeia aqui existente em décadas passadas, era um resquício do sistema medieval que terminara há séculos na Europa Ocidental, mas que persistia no início do século XX na Rússia e demais países da Europa Ocidental.

Esta aldeia de russos tinha o mesmo formato das aldeias existentes na antiga Bessarrábia, sendo tipicamente russos. A “Aldeia Karamázov” poderia ser uma explicação na prática de como era a Rússia e os costumes de tal sociedade rural patriarcal, explicado de forma genial pelo magnífico escritor Dostoievski em seu Romance “Os Irmãos Karamázov”, onde a saga de uma família tendo como chefe um pai fanfarrão e violento (Fiódor), que ama a mesma mulher de seu filho Dimitri, de temperamento violento como o pai. No romance há também dois filhos do velho Fiódor, Ivan, o intelectual ateu e Aliocha, o seminarista bonzinho. O tema central do romance é o parricídio, onde o velho Fiódor é morto pelo filho ilegítimo Smierdiákov.

Em Lucélia, não existiam personagens sombrios e violentos quanto os criados pelo gênio sombrio de Fiódor Dostoiévisk, um profundo conhecedor das trevas da alma humana, bem como, da redenção do homem pelo amor e compaixão, mas servia de aperitivo para explicar na prática como era a Rússia Tzarista do século XIX e um pouco sobre a “Idade Média”.

Fonte: Texto e foto extraídos de publicações na imprensa local


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